INSTINTO

Muita gente que conhece bem o Boxer garante: seu zelo vai além da preocupação com o bem-estar das crianças e das pessoas da casa.  Reduzir o Boxer a 'babá' chega a ser depreciativo. Ele é um cão de guarda, basta ver o padrão. A Federação Cinológica Internacional (FCI) - que adota o padrão da Alemanha, país de origem da raça - diz que o Boxer é "terrível" quando desempenha a sua missão de guarda. O American Kennel Club, dos Estados Unidos, determina: a raça é "instintivamente de guarda e alarme" e "deve ser cautelosa com estranhos". De forma semelhante, o TKC, da Inglaterra, define que a raça deve ter instinto de guarda e desconfiança a estranhos.

A questão é que o estilo do Boxer nada tem a ver com o popular quanto mais fera, melhor. Ele só revida ao sentir ameaça, como quando há uma invasão ao seu território. "Antes de avançar, o Boxer julga a situação e a reação das pessoas. Ser dócil e sociável não o impede de ser corajoso a ponto de defender o dono até a morte", assegura Hilda Drumond, cinóloga, juíza de todas as raças, que criou Boxers por 45 anos. "Em vez de latir, ele observa para ver se identifica algo suspeito. E se perceber, dá o sinal e avança", descreve Patrícia Carlucci, criadora há dez anos pelo Alkaid Boxer Kennel, em Ribeirão Preto, SP. "O extremo apego do Boxer à família é a sua motivação para agir quando há perigo", reforça Carlos Rangel, que estudou 19 Boxers na guarda e tem mais de vinte anos de experiência em adestramento, além de ser o responsável pelo treinamento dos cerca de 70 cães de guarda da empresa de segurança Pires.

Um estranho, mesmo que pareça ter se tornado amigo de um Boxer, não fica livre de ser reavaliado na próxima visita. "Se eu deixar o Boxer com um desconhecido, o cão até gostará da companhia; mas se a pessoa deixar de ser bem-vinda, possivelmente será defensivo, trocando contato com olhares e rosnados", prevê Bruce Cattanach, criador da raça há 40 anos em Harwell, Oxfordshire, Inglaterra, e ex-presidente do principal clube inglês da raça, o British Boxer Club. "O Boxer é um dos poucos cães capaz de se transformar, indo da extrema docilidade à extrema agressividade, porém mantendo o autocontrole", acredita Gilberto Rocha, criador da raça há 22 anos, pelo Gama Grass Kennel, de Sorocaba, SP.

Cara de bravo, postura alerta e peito projetado para frente - essas características físicas dão ao Boxer uma aparência que atemoriza. Numa pesquisa realizada com cem pessoas por Cães & Cia (edição 197), a cara do Boxer foi considerada a mais intimidadora entre as sete raças de guarda mais populares. "Intimidação é 80% da eficiência na guarda", destaca Rangel. "É preferível não arriscar para saber o que se esconde por trás da cara de mau do Boxer", diz Hilda. "As pessoas têm mais medo da cara de bravo das minhas Boxers do que a das minhas Rottweilers", afirma Sonia, que hoje tem seis Boxers. O oficial e adestrador da Polícia de St. Louis, nos EUA, Edward Meyer, comenta: "Recentemente, um conhecido me recebeu com um Boxer solto ao lado. Com minha experiência, fiz amizade com o cão em poucos minutos e passei inclusive a mão na cabeça dele. Mas, com essa mesma experiência, eu não entraria naquela casa sem o dono por perto; o vigor físico e a vigilância atenta do Boxer me impõem respeito".

 

EM AÇÃO

"O ataque do Boxer não deixa nada a desejar ao de outras raças", avalia o adestrador Rangel. Ele explica: seu ataque é rápido, com excelente mobilidade, sendo a velocidade e resistência superiores a algumas raças de guarda mais pesadas; é determinado e decidido para a luta; o dinamismo se alia à silhueta menor que a de outras raças de guarda e o tornam um alvo difícil pouco alvejável; atua bem no escuro devido à audição e faro; a formação dentária extremamente bem projetada e desenvolvida e mais a musculatura firme da mandíbula lhe dão uma mordida muito poderosa. "O Boxer é mais veloz compensando a maior velocidade de arranque do Rottweiler com uma maior resistência para manter o ritmo em um confronto; supera o maior peso do Rottweiler com um ímpeto de ataque maior devido à sua maior decisão e rapidez, e sobrepuja a maior agilidade do Dobermann com um ataque mais impetuoso por ter uma vitalidade maior", compara Rangel.

Facilmente adestrável e controlável pelo condutor, o Boxer também costuma responder aos comandos sem resistir, ao contrário das raças mais dominantes. Rangel, em seus testes com os 19 Boxers - tinham idades entre seis meses e 3 anos - concluiu que eles retiveram muito bem o aprendizado quando adestrados. "Treinei-os e depois os entreguei a famílias que os trataram como cães de estimação. Passados seis a oito meses, submeti-os a provas de ataque e eles responderam perfeitamente", conta. Mais que controlável, o Boxer tem autocontrole, qualidade importante para evitar acidentes.

O conjunto de suas características o tornam interessante para a guarda profissional.

 

ELOGIOS

O amor incondicional às crianças é sempre lembrado. "Nesse ponto o Boxer é imbatível. Nem mesmo o Collie tem tanta paciência com elas", garante Hilda. "Minha filha aprendeu a andar agarrando um Boxer e o mordia, mas ele nem se mexia para não machucá-la", conta. Sonia relata: "Houve uma época em que a minha Boxer chorava em frente ao portão, sempre no mesmo horário. Um dia entendi o porquê: a vizinha levava a filha pequena à praça em frente para tomar sol e a Boxer queria sair para brincar com ela". Tracy resume: "Boxer e confiança devem andar juntos".

 

SUCESSO

Em países como os da Grã-Bretanha, onde processos judiciais por desrespeito aos direitos do próximo são temidos, cães confiáveis têm espaço garantido. Isso explica porque o Boxer mais que dobrou o número de registros por lá nos últimos dez anos e o Rottweiler e o Dobermann despencaram a menos da metade. Hoje, mais de dois Boxers são registrados na Grã-Bretanha para cada Rottweiler que obtém registro. Uma fantástica inversão na situação de dez anos atrás, quando para cada Boxer quase dois Rottweilers eram registrados. "Nenhum inglês quer um cão violento na sua propriedade", afirma Cattanach. "O Boxer é uma alternativa aos cães de guarda mais bravos. Certamente os compradores de Rottweiler e Dobermann de ontem têm tudo para ser os compradores de Boxer de hoje", diz Leonard.

Nos EUA a mentalidade antiviolência também ganha espaço e o Boxer cresce junto. "Acredito demais na aceitação cada vez maior do Boxer, porque nenhuma pessoa neste país quer ter problemas com mordidas de cachorros", diz Tracy. Nos últimos dez anos, os registros de Boxer no AKC quase dobraram e aumentaram sete vezes acima da média de todas as raças caninas. Já os de Dobermann caíram um terço e o Rottweiler, que crescia sem parar até 1993, desde então perde registros ano após ano.